15 julho, 2006














Teatro inquieto

O teatro de Harold Pinter é incontornável.
Os truques e clichés que estamos habituados a ver em muitas peças não encontram lugar na sua obra. Pinter caminha para uma pureza e um despojamento crescentes num teatro povoado de conflitos e silêncios. A matéria humana e o espaço são os seus alicerces. Os diálogos absurdos, por vezes tensos, revelam a angústia das ameaças e dos riscos indeterminados que esmagam a humanidade.
A vida é absurda.
Esta constatação é nele profunda e irrefutável. Mas isso não tem que ser necessariamente negativo. A condição humana é assim mesmo e só quem procura incessantemente a felicidade o sabe.
O desafio à imaginação e à inteligência em cada uma das suas obras são razões suficientes para que, facilmente, nos identifiquemos com o seu teatro.
Somos por natureza inquietos e os textos de Pinter despertam-nos os sentidos e suscitam uma constante reflexão crítica que exige grande rigor e disciplina no trabalho criativo.

DV

11 julho, 2006














Ao longo da história da humanidade o teatro tem contribuído para a evolução espiritual dos povos, para a sua civilização e liberdade.

DV

07 julho, 2006




















Mecenato onde estás?

Todos sabemos que as actividades culturais de uma forma geral dependem de apoios financeiros do ministério da cultura e autarquias e que, ao contrário da opinião de alguns, não sobreviveriam numa lógica empresarial. Sobretudo as que se realizam fora dos grandes centros urbanos.
Num folheto do Ministério da Cultura relativo ao mecenato cultural afirma-se que o Estado não pode nem deve demitir-se das suas responsabilidades como principal garante da liberdade de criação artística, da salvaguarda, conservação e promoção do património móvel e imóvel. Mas o Estado somos todos nós e a cultura é um bem de todos, por isso, cada um deverá intervir no sentido de proporcionar mais e melhores espectáculos, exposições, filmes, livros, museus, etc.
Se os recursos financeiros estão na base de alguma asfixia cultural então uma das alternativas é recorrer ao mecenato cultural, ainda que, não haja em Portugal uma tradição de responsabilidade cívica e social das empresas nesta área.
Para incentivar este tipo de intervenção, o Estado concede benefícios fiscais às empresas e aos particulares que beneficiam projectos de interesse cultural.
Qualquer gestor sabe que o sucesso duma empresa depende da imagem institucional/notoriedade e da relação com os públicos. O que por vezes desconhece é que tais objectivos e reconhecimento podem ser associados à participação e responsabilidade social da empresa. O mecenato cultural pode trazer ganhos de imagem importantes.
Mas a legislação e os benefícios fiscais serão suficientes para motivar as empresas à prática do mecenato? O que pensam as empresas da “Lei do Mecenato”?
Um estudo do Observatório das Actividades Culturais sobre 10 anos de Mecenato Cultural em Portugal, coordenado pela Dra. Maria de Lourdes Lima dos Santos e editado em 1998, refere que os mecenas reconhecem e aspiram a uma complementaridade dos sectores público e privado no apoio à cultura, mas sublinham de forma enfática a subsidiariedade da actuação das empresas relativamente ao Estado. Enquanto a este se atribui uma responsabilidade estrutural nesse campo e um papel desejável de enquadramento, coordenação, estímulo e sensibilização, considera-se que as empresas deverão actuar supletivamente, numa perspectiva de inserção comunitária e apoio ao desenvolvimento sócio-cultural, mas na exacta medida dos seus interesses e objectivos, livres de «intromissões» por parte dos poderes públicos.
A referida lei terá de ser revista e actualizada em alguns aspectos. O desconhecimento relativamente aos mecanismos legais e processuais associados ao mecenato é grande. Seria importante um encontro dos intervenientes: criadores, produtores, governantes e mecenas para debater esta temática, em benefício de um serviço público prestado através das actividades culturais.
Só numa sociedade solidária e participada se consegue defender o que de mais nobre e distinto existe num povo, a sua identidade cultural. Nisso todos temos responsabilidades.

DV

05 julho, 2006




















Uma casa com arco-íris no telhado

A visão fraccionada e especializada do mundo é resultado duma sociedade em que os valores e as emoções não podem interferir no processo de produção. O indivíduo passa a ter uma visão parcial do mundo e portanto uma visão parcial de si mesmo.
A escola tem dificuldade em contrariar esta realidade e surge para produzir mão-de-obra para o mundo moderno em conformidade com essa exigência. Os saberes científicos dominam as matérias escolares, separa-se a razão dos sentimentos e das emoções e instala-se uma civilização racionalista.
Esses saberes e a sua valorização tradicional na escola levantam algumas questões de carácter pedagógico e formativo que me preocupam como formador e como artista. Na verdade, não há saberes mais ou menos importantes. A escola, enquanto espaço de socialização estrutural, deve valorizar relações de reciprocidade entre si, as artes e a sociedade envolvente e conciliar os saberes escolares com as vivências e afectos, também eles importantes para a construção do homem novo.
Assim podemos imaginar uma escola de cumplicidade, experimentação, desafio e reflexão que desperte o sentido crítico e portanto torne os jovens mais autónomos e intervenientes. Uma escola integrada na comunidade que, em articulação com outras instituições, potencialize recursos e apetências em prol do desenvolvimento da nossa sociedade.
Numa época em que a globalização está na ordem do dia e numa sociedade normalizada onde os comportamentos são ditados pelo consumismo, devemos ter em conta a diversidade social e a pluralidade de expectativas que a escola encerra.

A escola é como uma casa com arco-íris no telhado que alberga todas as diferentes formas de olhar o mundo.

É preciso continuar a questionar os modelos tradicionais de ensino, os conteúdos programáticos, a função social da escola e encontrar modos plurais alternativos orientados para a formação de públicos culturais. É preciso encontrar uma pedagogia onde em simultâneo se encontrem a unidade e a pluralidade.
As artes são um espaço interessante de análise e observação das relações humanas porque privilegiam o diálogo e valorizam as diferenças, daí a importância da sua inclusão efectiva na prática pedagógica, nos diversos graus de ensino, sem que isso constitua um fardo para a escola e para os seus protagonistas.

DV

04 julho, 2006













Um espaço para respirar

Um dos acontecimentos mais importantes para o teatro português pós-25 de Abril foi o da descentralização. Possibilitou romper com a macrocefalia que, durante dezenas de anos, atingiu a sociedade portuguesa, criando um vazio teatral no país profundo. Não fora o importante movimento de teatro de amadores, a irreverente originalidade do teatro universitário e a coragem do teatro independente e este vazio seria um deserto em absoluto. No entanto, a ausência de estruturas profissionais de criação e produção teatral, fora de Lisboa e Porto, não podia ser substituída pela actividade dos grupos de amadores nem pelas digressões de companhias profissionais das referidas cidades. O Centro Cultural de Évora - CENDREV e o TAS - Teatro Animação de Setúbal foram das primeiras companhias de teatro a iniciar este movimento e a lançar as sementes que vieram fortificar no aparecimento de um conjunto assinalável de estruturas em todo o país e que hoje constituem uma rede de produção artística e um património cultural de valor inestimável. Esta foi uma das conquistas da nossa democracia que possibilitou aos criadores encontrarem espaços, delinearem projectos artísticos e, em liberdade, conquistarem novos públicos e o reconhecimento geral de toda a sociedade portuguesa.
A democracia precisa do teatro e dos seus criadores, são património vivo e portanto o garante da identidade cultural dum povo. São a sua voz e a sua consciência. Em democracia temos de criar condições necessárias para que cada um encontre o sentido que procura e o teatro pode ajudar nesse propósito. No teatro somos livres de escolher o nosso caminho e perdermo-nos nos universos ali construídos.

Umberto Eco afirma no seu livro “Seis Passeios nos Bosques da Ficção”:
(…) um bosque é um jardim com veredas que se bifurcam. Mesmo quando num bosque não há veredas já traçadas, cada qual pode traçar o seu próprio percurso e decidir ir para a esquerda ou para a direita de uma certa árvore e fazer uma escolha a cada árvore que se lhe depara.

A democracia bem podia ser como um bosque onde cada um escolhia o seu caminho e descobria, a qualquer momento, o seu futuro. Um bosque onde as veredas não fossem caminhos obrigatórios e a caminhada, ainda que demorada, não significasse perda de tempo. Um bosque em que as nossas vidas procurassem ser mais do que aquilo que encontram. Tal como no teatro, um espaço para respirar…

DV

03 julho, 2006














O parente pobre

Todos sabemos das dificuldades que a nossa economia atravessa e os reflexos que isso está a ter em vários sectores da nossa sociedade. Será isto razão para algum imobilismo ou conformismo que se vive no nosso país?
Em minha opinião prefiro a polémica das ideias que um deserto delas. A crise económica não justifica a sua ausência.
A cultura é um terreno fértil que exige um ministério sensível, criativo, empreendedor e isento. Combater a burocracia, aproximar o poder político e económico da produção cultural e garantir uma maior descentralização são questões essenciais que merecem uma atenção especial e exigem da tutela uma maior determinação.
Vivemos num país em que a fruição cultural, apesar do engenho e dedicação de muitos agentes, ainda só existe para uma minoria da população. Não fora a intervenção das autarquias em colaboração com as escolas e estruturas culturais e desportivas (desporto também é cultura), continuaríamos a viver dependentes da macrocefalia lisboeta. É claro que a iliteracia e a incultura, razões subjacentes a este problema, são uma realidade em todo o país mas é sobretudo fora dos grandes centros urbanos que mais se faz sentir. Onde estão, por exemplo, os programas concertados e a interacção entre o Ministério da Educação, o Ministério da Cultura e as autarquias que permitam aos nossos jovens um maior acesso aos eventos culturais e lhes despertem o interesse pelo teatro, pela dança, pelo património, etc? Não são concerteza os investimentos na cultura que vão agravar o défice já que as verbas destinadas a este sector são uma parcela ínfima e ridícula do Orçamento Geral do Estado.
Um país que se quer moderno e Europeu não pode continuar a viver ao arrepio dos seus pares. Sem desenvolvimento cultural não há desenvolvimento económico. Além do mais, não basta racionalizar os meios financeiros e humanos, é necessário mudar também mentalidades. Se é do senso comum que da cultura depende a identificação de um povo, por que razão só nos debruçamos sobre estas questões quando temos os bolsos cheios?
Recuso a ideia de um estado que se limite a tolerar a cultura como um fardo oneroso e que olha para os seus «actores» com a mesma frivolidade que se olha para um pedinte ou um parente pobre.

DV