04 julho, 2006













Um espaço para respirar

Um dos acontecimentos mais importantes para o teatro português pós-25 de Abril foi o da descentralização. Possibilitou romper com a macrocefalia que, durante dezenas de anos, atingiu a sociedade portuguesa, criando um vazio teatral no país profundo. Não fora o importante movimento de teatro de amadores, a irreverente originalidade do teatro universitário e a coragem do teatro independente e este vazio seria um deserto em absoluto. No entanto, a ausência de estruturas profissionais de criação e produção teatral, fora de Lisboa e Porto, não podia ser substituída pela actividade dos grupos de amadores nem pelas digressões de companhias profissionais das referidas cidades. O Centro Cultural de Évora - CENDREV e o TAS - Teatro Animação de Setúbal foram das primeiras companhias de teatro a iniciar este movimento e a lançar as sementes que vieram fortificar no aparecimento de um conjunto assinalável de estruturas em todo o país e que hoje constituem uma rede de produção artística e um património cultural de valor inestimável. Esta foi uma das conquistas da nossa democracia que possibilitou aos criadores encontrarem espaços, delinearem projectos artísticos e, em liberdade, conquistarem novos públicos e o reconhecimento geral de toda a sociedade portuguesa.
A democracia precisa do teatro e dos seus criadores, são património vivo e portanto o garante da identidade cultural dum povo. São a sua voz e a sua consciência. Em democracia temos de criar condições necessárias para que cada um encontre o sentido que procura e o teatro pode ajudar nesse propósito. No teatro somos livres de escolher o nosso caminho e perdermo-nos nos universos ali construídos.

Umberto Eco afirma no seu livro “Seis Passeios nos Bosques da Ficção”:
(…) um bosque é um jardim com veredas que se bifurcam. Mesmo quando num bosque não há veredas já traçadas, cada qual pode traçar o seu próprio percurso e decidir ir para a esquerda ou para a direita de uma certa árvore e fazer uma escolha a cada árvore que se lhe depara.

A democracia bem podia ser como um bosque onde cada um escolhia o seu caminho e descobria, a qualquer momento, o seu futuro. Um bosque onde as veredas não fossem caminhos obrigatórios e a caminhada, ainda que demorada, não significasse perda de tempo. Um bosque em que as nossas vidas procurassem ser mais do que aquilo que encontram. Tal como no teatro, um espaço para respirar…

DV